A Filosofia entre a Religião e a Ciência
Parte 02
A filosofia, ao contrário do que ocorreu com a teologia , surgiu,
na Grécia, no século VI antes de Cristo. Depois de seguir o seu curso na
antigüidade, foi de novo submersa pela teologia quando surgiu o Cristianismo e
Roma se desmoronou. Seu segundo período importante, do século YI ao século XIV,
foi dominado pela Igreja Católica, com exceção de alguns poucos e grandes
rebeldes, como, por exemplo, o imperador Frederico II (1195-1250). Este período
terminou com as perturbações que culminaram na Reforma. O terceiro período,
desde o século XVII até hoje, é dominado, mais do que os períodos que o
precederam, pela ciência. As crenças religiosas tradicionais mantêm sua
importância, mas se sente a necessidade de que sejam justificadas, sendo modificadas
sempre que a ciência torna imperativo tal passo. Poucos filósofos deste período
são ortodoxos do ponto de vista católico, e o Estado secular adquire mais
importância em suas especulações do que a Igreja.
A coesão social e a liberdade individual, como a religião e a
ciência, acham-se num estado de conflito ou difícil compromisso durante todo
este período. Na Grécia, a coesão social era assegurada pela lealdade ao
Estado-Cidade; o próprio Aristóteles, embora, em sua época, Alexandre estivesse
tornando obsoleto o Estado-Cidade, não conseguia ver mérito algum em qualquer
outro tipo de comunidade. Variava grandemente o grau em que a liberdade
individual cedia ante seus deveres para com a Cidade. Em Esparta, o indivíduo
tinha tão pouca liberdade como na Alemanha ou na Rússia modernas; em Atenas,
apesar de perseguições ocasionais, os cidadãos desfrutaram, em seu melhor
período, de extraordinária liberdade quanto a restrições impostas pelo Estado.
0 pensamento grego, até Aristóteles, é dominado por uma devoção religiosa e
patriótica á Cidade; seus sistemas éticos são adaptados às vidas dos cidadãos e
contêm grande elemento político. Quando os gregos se submeteram, primeiro aos
macedônios e, depois, aos romanos, as concepções válidas em seus dias de
independência não eram mais aplicáveis. Isto produziu, por um lado, uma perda
de vigor, devido ao rompimento com as tradições e, por outro lado, uma ética
mais individual e menos social. Os estóicos consideravam a vida virtuosa mais
como uma relação da alma com Deus do que como uma relação do cidadão com o
Estado. Prepararam, dessa forma, o caminho para o Cristianismo, que, como o
estoicismo, era, originalmente, apolítico, já que, durante os seus três
primeiros séculos, seus adeptos não tinham influência no governo. A coesão
social, durante os seis séculos e meio que vão de Alexandre a Constantino, f oi
assegurada, não pela filosofia nem pelas antigas fidelidades, mas pela força -
primeiro a força dos exércitos e, depois, a da administração civil. Os
exércitos romanos, as estradas romanas, a lei romana e os funcionários romanos,
primeiro criaram e depois preservaram um poderoso Estado centralizado. Nada se
pode atribuir à filosofia romana, já que esta não existia.
Durante esse longo período, as idéias gregas herdadas da época da
liberdade sofreram um processo gradual de transformação. Algumas das velhas
idéias, principalmente aquelas que deveríamos encarar como especificamente
religiosas, adquiriram uma importância relativa; outras, mais racionalistas,
foram abandonadas, pois não mais se ajustavam ao espírito da época. Desse modo,
os pagãos posteriores foram se adaptando á tradição grega, até esta poder
incorporar-se na doutrina cristã.
O Cristianismo popularizou uma idéia importante, já implícita nos
ensinamentos dos estóicos, mas estranha ao espírito geral da antigüidade, isto
é, a idéia de que o dever do homem para com Deus é mais imperativo do que o seu
dever para com o Estado.l A
opinião de que "devemos obedecer mais a Deus que ao homem", como
Sócrates e os Apóstolos afirmavam, sobreviveu à conversão de Constantino,
porque os primeiros cristãos eram arianos ou se sentiam inclinados para o
arianismo. Quando os imperadores se tornaram ortodoxos, foi ela suspensa
temporariamente. Durante o Império Bizantino, permaneceu latente, bem como no
Império Russo subseqüente, o qual derivou do Cristianismo de Constantinopla.2 Mas no Ocidente, onde os imperadores
católicos foram quase imediatamente substituídos ( exceto em certas partes da
Gália ) por conquistadores bárbaros heréticos, a superioridade da lealdade
religiosa sobre a lealdade política sobreviveu e, até certo ponto, persiste
ainda hoje.
A invasão dos bárbaros pôs fim, por espaço de seis séculos, à
civilização da Europa Ocidental. Subsistiu, na Irlanda, até que os dinamarqueses
a destruíram no século IX. Antes de sua extinção produziu, lá, uma figura
notável, Scotus Erigena. No Império Oriental, a civilização grega sobreviveu,
em forma dissecada, como num museu, até à queda de Constantinopla, em 1453, mas
nada que fosse de importância para o mundo saiu de Constantinopla, exceto uma
tradição artística e os Códigos de Direito Romano de Justiniano.
Continua...
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